Há quase um ano, as mulheres baianas contam com uma secretaria dedicada a elas. Coordenada pela militante do Movimento Nacional dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Vera Lúcia Barbosa, a Secretaria de Política para Mulheres, tem como foco questões que envolvem assuntos como a busca pela igualdade de gênero e o combate à violência.
Vera Lúcia Barbosa nasceu em Eunápolis, no extremo sul da Bahia, tem 12 irmãos, e é militante do MST desde os 15 anos. Ela estudou até a 8º série do ensino fundamental e, além de ocupar a Secretaria de Políticas para Mulheres na Bahia, é dirigente nacional do MST.
Em conversa com o G1, ela fez um balanço das atividades realizadas pela secretaria desde maio de 2011, quando foi inaugurada. Vera Lúcia destacou dados sobre a atuação da mulher baiana no mercado de trabalho e sobre violência contra a mulher no estado.
De acordo com dados do Censo IBGE em 2010, há 7,1 milhões de mulheres na Bahia. Os homens são 6,8 milhões. Mesmo assim, a condição da mulher no mercado de trabalho da região metropolitana de Salvador, por exemplo, piorou em 2011, se comparada ao ano de 2010. O dado é de um estudo realizado pelo Sistema de Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED), promovido pela Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI), órgão vinculado à Secretaria de Planejamento do Estado (Seplan). O balanço revela que a participação das mulheres caiu de 51,3% (em 2010) para 49,3% no ano passado.
A secretária Vera Lúcia também destacou ações desenvolvidas pela SPM para diminuir os índices de violência contra a mulher na Bahia. O estado ocupa o segundo lugar no ranking de atendimentos do Ligue 180, serviço nacional que presta informações e recebe relatos de violência contra as mulheres. Segundo dados da secretaria, de janeiro a outubro doe 2011, foram registrados 53.850 atendimentos envolvendo mulheres baianas. O estado só perde em números para São Paulo, que lidera o ranking do Ligue 180, com 77.189 casos. Em 72% das situações registradas na Bahia, os agressores são os cônjuges das vítimas. Confira entrevista abaixo.
G1 - Em um ano de atividades quais foram as principais realizações da secretaria?
Secretaria - A gente conseguiu criar um planejamento estratégico, realizar a 3ª Conferência Estadual de Políticas para Mulheres, fechar dois eixos de discussão, a autonomia da mulher e a violência contra a mulher na Bahia. Além disso, fechamos parcerias com outras secretarias, uma transversalidade com esses outros órgãos, o que é muito importante. As políticas públicas não dependem de uma secretaria só. A gente [a Bahia] é um estado que está crescendo na violência contra a mulher. A transversailidade com as outras secretarias faz parte da ação para combater isso.
G1 - Qual a avaliação da colocação da mulher no cenário baiano? Qual o perfil econômico e social da mulher baiana?
Nós [mulheres] temos uma inserção muito forte no mercado. Nós últimos três anos o índice de mulheres no mercado baiano, se comparado aos homens, vem diminuindo, e há algumas áreas que ainda não conseguimos entrar, como a indústria, por exemplo. Mas estar presente no mercado de trabalho já é um dado muito positivo.
G1 - A Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado aprovou a igualdade salarial entre homens e mulheres no país. Aqui na Bahia essa desigualdade é muito praticada, há números?
A SEI (Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia) lançou uma pesquisa e tem minuciosamente esses dados. Segundo a pesquisa, a média de rendimento caiu tanto para homens quanto para mulheres, mas para nós [mulheres] caiu mais. Aumentou a distância entre o que o homem ganha e o que a mulher ganha. Essa medida [da comissão] vem em um momento bem oportuno, importante. Essa porcentagem mínima [da quantidade de homens que ganham mais do que as mulheres na mesma função], é imensa.
Para mim, essa prática [da desigualdade salarial] se deve a uma concepção cultural de que as mulheres produzem menos, é o sexo frágil, deve ficar restrita ao espaço da casa, é uma divisão sexual do trabalho. Mesmo que as mulheres trabalhem o mesmo tempo, na mesma função, e na mesma empresa, em alguns lugares consideram a qualidade do trabalho do sexo feminino inferior ao do homem. Ainda existe a ideia de que a mulher deve ficar cuidando dos filhos e da casa. Atribuo esse pensamento a uma questão cultural que a gente tem que mudar. Estamos fazendo debate com todas as secretarias para transversalisar políticas que comtemplem essa conscientização também. Precisamos criar projetos próprios de autonomia e geração de renda das mulheres também.
G1 - Quais os principais tipos de discriminação aqui na Bahia?
A violência doméstica tem crescido muito aqui na Bahia. Em termo de denúncia, as mulheres estão mais politizadas estão levando o problema para fora do lar. Esse sintoma é bom. Antes isso era tratado como diz o ditado "briga de marido e mulher não se mete a colher", é problema do casal, a sociedade não se envolvia. O "Disque 180" é uma sinalização da sociedade de que a violência contra a mulher é um problema de todos, do governo, da sociedade. Acho que é por conta das mulheres estarem saindo mais. Temos ocupado diversas áreas, é um choque em uma sociedade machista. A violência no geral aumentou, e contra as mulheres também. As mulheres saíram mais de dentro de casa, o grau de escolaridade está aumentando, e elas estão se capacitando mais. É preciso preparar a sociedade para esse momento.
G1 - Quais os projetos previstos para esse ano?
Hoje [quarta-feira] eu estava em Brasília reunida com a ministra Eleonora Menicucci de Oliveira [Secretaria de Políticas para as Mulheres] e com o ministro Afonso Florence [Desenvolvimento Agrário]. Assinamos um termo de cooperação de projeto de inclusão produtiva das trabalhadoras rurais, que prevê regulamentação de documentação dessas trabalhadoras, emissão da nota fiscal, problemas das mulheres rurais e combate a violência. Acho esse o primeiro passo importante que eu destacaria esse ano.
G1 - O que a senhora acha do projeto que prevê a proibição de financiamento público para bandas e artistas que incentivem a violência e o preconceito contra as mulheres?
Nós estamos junto. Fortalecemos a campanha da deputada Luiza Maia. Esse [das músicas e danças que depreciam a mulher] também é um aspecto importante que é sútil às vezes, mas a violência também é predominante nas músicas, danças, violência não e só a que você bate. Algumas músicas e danças também são. A gente apoia o projeto de lei e reforça o que ele defende. É preciso mudar a cultura machista baiana.
G1 - Quais são os desafios que a mulher baiana ainda enfrenta? Pode se falar em uma emancipação feminina, o que falta para isso?
Há um inicio de uma emancipação. Precisa-se aprofundar as políticas e dimunir essa diferença estética. Trabalhar mais a questão da violência e do empreendedorismo para a mulher. Acho que temos muito o que fazer pela frente.
G1 - Há homens que participam da elaboração dessas políticas? Como foi a ação com os filhos de Gandhy no carnaval de Salvador esse ano?
Estamos trabalhando com todas as secretarias. Fazemos ações e campanhas nas quais os homens chamam para si o combate a violência. Achei importante eles abraçarem a campanha. A libertação das mulheres não beneficia só as mulheres, resulta em uma sociedade mais igual, todos devem participar dessa construção, os homens são determinantes. A violência contra a mulher, independente da forma que é feita, atinge toda a família, causa trauma nas crianças. Toda sociedade deve se engajar nessa mudança. Precisamos trabalhar o respeito entre os seres humanos. Por fim, gostaria de deixar uma saudação a todas as mulheres pelo nosso mês e dizer que estamos aí todos os dias, trabalhando, mas esse é um mês ímpar para nós. Precisamos pensar nos desafios pela frente, superá-los. Uma mudança cultural e da mentalidade da sociedade é necessária para chamar a atenção para a constituição de uma sociedade mais igual.